Trago ao Blog um instigante texto do sociólogo Remy Fontana, Professor da UFSC
partindo da obra :
A
democracia impedida. O Brasil no Século XXI ( Wanderley Guilherme dos Santos, WGS)
Encarando
adversidade. Construindo resistência
Texto exposto no Núcleo de Estudos em Serviço Social e Organização Popular
CURSO DE FORMAÇÃO PERMANENTE: AÇOES COLETIVAS, DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DIREITOS SOCIAIS
Texto exposto no Núcleo de Estudos em Serviço Social e Organização Popular
CURSO DE FORMAÇÃO PERMANENTE: AÇOES COLETIVAS, DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DIREITOS SOCIAIS
Universidade
Federal de Santa Catarina
12 Pontos de partida:
1. Entender, criticar e transformar as condições que tornam as
pessoas exploradas, dominadas e alienadas
2. Distinguir
o momento e os instrumentos próprios da reflexão e os da ação; da produção da
análise e da intervenção política;
3. A
conjuntura corresponde ao momento atual, que é o campo específico da prática
política; trata-se de uma situação de luta política de classes, embora estas
não intervenham aí como classes, mas como facções mais ou menos organizadas,
que são os reais atores do conflito político;
4. A
ideia de conjuntura só é pensável a
partir da ideia de estrutura e
mediante a ideia de contradição
inerente à estrutura;
5. Análises
de conjuntura se fazem por razões e motivações distintas:
- Algumas para mapear situações e
compreender sua dinâmica. Este é o caso
que nos reúne aqui e agora, num ambiente de estudo, reflexão e diálogo entre
academia e movimento social;
- Outras, para intervir diretamente
num conflito aberto, em curso. Neste caso, é a organização ou movimento social
que elabora sua análise enquanto mergulha na ação política;
6. Estamos
num momento em que as contradições sociais e conflitos políticos estão ainda se
configurando, se explicitando e se agudizando cujos
elementos, protagonistas, eixos e dinâmicas estão ainda adquirindo suas formas,
rearticulando seus interesses, testando suas forças e ensaiando suas
intervenções e protagonismos
7. Longo
período pela frente para se equacionar e se superar esta conjuntura, que se
apresenta com uma forte inflexão à direita. Isto não significa que a direita
vai impor por completo sua agenda, sua pauta, pois haverá e está havendo um
contraponto de forças, uma resistência política, cujo resultado encontra-se, ao
menos em parte, em aberto;
8.
Se
a esquerda se encontra fragmentada e desunida, a direita também não se
apresenta sem fissuras, como um bloco monolítico; A direita tem a força e o
controle dos espaços e aparelhos institucionais, seu “projeto” é estar à deriva
do neoliberalismo globalizado, e que está arruinando o país.
A
esquerda (parte da esquerda) desalojada do governo, com relativamente
baixa capacidade aglutinadora e mobilizadora para resistir ao golpe; também
está sem projeto de país;
9. Em
conjunturas críticas há maior explicitação dos interesses de classe; daí
decorre uma pedagogia política, uma melhor possibilidade de aprendizagem
política: realinham-se as forças sociais, alteraram-se as condições de luta,
abrem-se novas frentes de combate, cujos resultados e consequências estão, em
parte, indeterminados;
10. A
maior clareza quanto aos interesses em confronto e os conflitos que enseja
favorece a dissipação das ilusões sociais e políticas. A dimensão nua e crua
das contradições sociais que daí emerge vai determinar o ritmo, a intensidade e
a configuração do processo político;
11. A compreensão da política e de seu exercício
sofre brusca mudança: de uma concepção da política como arte em busca de
consenso/persuasão, para uma concepção da política como arte de guerra (ação
tática e estratégica, acúmulo de força social,
lutas de classe, conquista e manutenção do poder). O conflito
aberto pende, pelos recursos e meios disponíveis, para o lado do mais forte
(produtores/proprietários), mas não sempre nem inevitavelmente, como a história
das transformações sociais mais ou menos revolucionárias o demonstra;
12
Estamos vivendo uma época liberal exacerbada,
em que como nunca antes se exerceu uma dominação tão crua, e nua de propósitos
conciliadores com os segmentos dominados (WGS);
Neste sentido, 2016 não foi um golpe, foi uma guerra.
E o Brasil perdeu; poderíamos dizer
hoje a propósito do Brasil, algo parecido com o que Albert Camus disse em 1951
sobre as atrocidades pelas quais a Europa tinha passado: “A desgraça é hoje a nossa pátria comum”.
Sociólogo Remy Fontna
Conjuntura brasileira atual: de crise
Pano de
fundo: interrupção golpista do ciclo
dos governos do PT, que reorientou as políticas oficiais para além das
tradicionais preferências das elites, em direção ao inédito atendimento das
necessidades primárias da população de baixa e baixíssima renda.
Vivemos uma conjuntura provocada pelo
turbilhão de acontecimentos que se sucedem em uma velocidade espantosa, que nos
traz perplexidade, desafia a capacidade de análise e as previsões do que está
por vir, dada a aceleração das transformações em curso, embora a direção
conservadora que a comanda seja hoje de uma evidência cruel quanto aos impactos
antissociais para a maioria da população.
Caracterização e periodização. Superposição de duas
crises
a) Estrutural: relativa à permanente tensão entre dois fluxos, o da
acumulação de capital e o da participação ampliada nas democracias
representativas de massa; a crise, neste nível, está exacerbada a partir do
estouro financeiro de 2007/2008 e que chega com força no país em 2013/2014,
alterando brusca e agudamente a competição distributiva de renda.
No
Brasil isto se traduz num projeto que visa uma profunda reestruturação do Estado,
mas que o lança em crise de dominação, com conflitos interburgueses/frações do
capital, e elevação das taxas de superexploração da classe trabalhadora. A regressão social que implica, acabará por
levar a médio e longo prazo a confrontos sociais e conflitos políticos
intensos, crescentes e de consequências imprevisíveis.
b) Conjuntural - duas
etapas:
1)
de 2003 com a posse de Lula até as manifestações
massivas de rua de 2013.
Ponto de inflexão: Ação Penal 470
(Mensalão) 2005, início de ofensiva conservadora para “interromper por via não
eleitoral a liderança do PT, com intervenção complementar direta do Judiciário
(WGS)”. Esta AP 470 “sancionou interpretações de conveniência e condenações
seletivas. Talvez o julgamento prepotentemente político mais bem documentado na
história da República (WGS)”.
AP 470: um julgamento de
exceção, a espinha dorsal pela qual percorreu as contrafações jurídicas que
desaguam no golpe parlamentar de 2016 (WGS).
A degradação do processo político que daí
resulta contou com apoio midiático e apelo classista, das classes médias e
altas, cuja indignação resultou de seu inconformismo com as alterações na base
da pirâmide social e com uma relativa aproximação social, via pautas de
consumo, com as classes populares. Esta pequena intimidade social com os pobres
incomodou a sensibilidade conservadora das camadas médias.
2)
de 2013 aos
dias de hoje
Ponto de inflexão: golpe
parlamentar de abril 2016
Em 2013 a insatisfação
generalizada somada à frustrações com o sistema político, que se iniciara em
S.Paulo, a propósito do aumento das
passagens de transporte urbano, ganha às ruas em várias capitais. A maré
montante de protestos sofre uma metamorfose, nos meses de junho e julho,
atendendo a convocatórias diversas, com diferentes desígnios. Fervilham os
ânimos do humor popular.
A radicalidade retórica e passional que aí já
estava presente deságua na campanha eleitoral de 2014, vencida por pequena
margem por Dilma. A ira dos derrotados, segue-se a frustação dos eleitores de
Dilma com seu surpreendente e assustador programa de austeridade e de ajuste
fiscal (WGS).
Cria-se um ambiente de profunda divisão na
sociedade, arma-se uma coalização de assalto conservador ao poder, que
desemboca no golpe parlamentar de abril de 2016. Esta crise continua aberta e terá outro ponto
de inflexão com as eleições de 2018.
A combinação dos dois processos de crise afeta
a totalidade da formação social brasileira, em seus níveis: econômico, social,
jurídico-político-institucional, e cultural-ideológico
Em
termos da organização política e institucional a crise se expressa:
- no Estado, que com suas
estruturas de dominação, é a expressão e a garantia do processo de acumulação de capital. Este processo está em crise
estrutural produzindo
impactos desestabilizadores em vários países, e miséria social em quase todos.
A crise de acumulação é debitada à suposta exuberância irracional da dívida
pública e sua superação se daria via ajuste fiscal, isto é, ajuste dos ricos
contra os pobres, que devem pagar a conta dos estragos produzidos por aqueles.
É o austericídio, a macroeconomia da austeridade: cortes no investimento estrutural, nas políticas
redistributivas e nos programas sociais.
A soberania popular foi anulada pelo golpe, e a
soberania nacional está sob a batuta dos martelos dos leilões privatizantes.
- no Regime (regime de exceção); desfiguração da Constituição de 88;
desmonte do “Estado Social”; democracia “privatizada”; esgotamento da
democracia representativa e do sistema de partidos, sua desmoralização, fim da
Nova República;
- no Governo (ilegítimo e
usurpador); Presidente golpista/usurpador, antidemocraticamente
implementa políticas neoliberais, antinacionais, antipopulares; eleições
presidenciais de 2018 com partidos grandemente desacreditados, ambiente de
negação e desconfiança dos políticos e da política abre porta para aventureiros
“apolíticos”, populistas de direita, que exploram as dificuldades, agruras,
carências e inseguranças do povo, apresentando-se como seu salvador.
Golpe parlamentar
de abril/agosto 2016
O golpe de Estado de 2016 foi preventivo e dirigido contra a crescente
capacidade de organização dos trabalhadores e o protagonismo dos movimentos
sociais
Os efeitos políticos e institucionais do golpe
degradam o conjunto da nação, instabilizando o regime democrático, deformando e
comprometendo seus princípios constitucionais e os instrumentos e mecanismos de
operação governamental.
O golpe de agosto de 2016
“instalou uma democracia garroteada, humilhada e tutelada, de um lado, por
juízes e mídia partidarizada; de outro, por uma escória parlamentar a serviço
do mercado, que transformou o Congresso em uma assembleia permanente contra o
povo”. (S. Leblon).
Câmara e Senado tornaram-se
símbolos da crise da política e do sequestro da democracia.
O golpe de 2016 baseou-se numa coalizão que articulou as frações estrangeiras, financeiras,
industrial, agrária e midiática do grande capital, a sua representação
política no Parlamento e na
tecnoburocracia do Poder Judiciário, e um movimento de massas com fortes
conotações fascistas, representado principalmente pelas camadas médias e
superiores da pequena burguesia.
Motivado a destruir a hegemonia do bloco
de centro-esquerda e a emergência das
esquerdas, o grande capital impulsionou e respaldou a atuação abusiva da
Polícia Federal, do Ministério Público e da Magistratura para criminalizar a
vida pública brasileira e atingir seus objetivos políticos. Para isso foi
central a ofensiva ideológica dos meios de comunicação buscando situar a
corrupção como principal problema do Estado brasileiro, o que justificaria o
uso de medidas excepcionais para o seu combate.
A intervenção da magistratura e da procuradoria no sistema político brasileiro aprofundou assimetrias
através da seletividade dos seus alvos; da falta de critérios legais, de
proporcionalidade e de impessoalidade no estabelecimento de sentenças; e do uso
casuístico, abusivo e normativo de métodos excepcionais de investigação, como a
condução coercitiva e a prisão preventiva. Entre os alvos preferenciais da
Procuradoria e da Magistratura destacam-se as lideranças políticas de
centro-esquerda e de esquerda, as lideranças empresariais vinculadas ao
adensamento das cadeias de valor produtiva e as lideranças de movimentos
sociais e universidades públicas. Ignoram,
por outro lado, amplamente a corrupção do Estado na articulação dos grandes
negócios da burguesia brasileira que são a dívida pública e a especulação
cambial.
Ao
desorganizar o sistema político, a Lava-Jato
solapa as condições institucionais para um combate eficaz à corrupção (Bruno
P. W. Reis). Ameaçando descaracterizar o Direito
brasileiro com heterodoxias como restrições ao Habeas Corpus e aceitação de
prova ilícita, a Lava-Jato não traz consigo qualquer consideração sobre as
causas dos ilícitos que ela investiga.
A
Lava-Jato, com seu messianismo populista desastrado, uma operação que se
permite ela mesma violar a legislação enquanto acredita combater a corrupção,
pode muito bem fazer retroagir esse processo por algumas décadas.
Autocrítica
A
esquerda e os setores populares têm de enfrentar também e necessariamente seus
próprios erros e equívocos, que não são poucos nem
pequenos. Este balanço pode começar avaliando as insuficiências, limites e
equívocos dos governos do PT, passando pela atuação dos partidos de esquerda,
sua difícil unidade nos momentos críticos, suas dificuldades de conexão com as
bases da sociedade.
Em 12 anos de governos de centro-esquerda
foram dados passos efetivos na construção da soberania popular e nacional:
aquela calcada na justiça social e em alianças internacionais progressistas.
Descuidou-se,
porém, do indispensável: a contrapartida da organização popular para sustentar
e adicionar avanços a esse percurso.
Se a esquerda, não reconhecer suas
inconsequências, equívocos, desunião, dificilmente conseguiremos repor a
soberania popular e as conquistas sociais, agora sob ameaça de desmanche.
Atmosfera
política/ideológica
- o clima de polarização que
tomou conta do país se não
impossibilita, ao menos dificulta qualquer posição mais reflexiva e matizada
sobre a conjuntura;
-
manifestações irracionalistas de ira, ódio e outros afetos de uma
subjetividade exacerbada penetraram os espaços dos discursos e das ações políticas,
deslocando os termos e os modos da competição e disputa políticas, em grave
prejuízo da democracia, notadamente na utilização de seus meios, instrumentos e
instituições para superar a crise em que estamos mergulhados;
- o recurso à ira no campo político cobra um alto custo, como um furor
arcaico-ensandecido indutor de violências; o foco emocional nesta condição potencialmente
belicosa, precisa ser reposicionado para a domesticação da ira como cultivo de
virtudes civis, de coragem e autoafirmação na defesa ou na promoção de
legítimos interesses;
- a ira coletiva, sob qualquer
pretexto, atropelando instâncias mediadoras como parlamento, tribunais ou
debates públicos leva com frequência à “liberação de energias vingativas não
filtradas, ao ressentimento e aos desejos de extermínio “ (Peter Sloterdijk);
- vive-se um tempo de desfaçatez política, de
imposturas, demagogia e manipulação; de elitismo
conservador e violento na manutenção das abissais desigualdades
econômico-sociais com toda a carga de cinismos e preconceitos que o caracteriza;
- difunde-se uma retórica alarmista e
inflamada da extrema-direita que transforma o medo em ódio. O discurso de ódio
é aquele que estimula a violência contra determinados indivíduos ou grupos e
está associado à abordagem moralista da política, que tem sido o eixo discursivo-ideológico
da direita;
- isto se materializa em ações violentas contra as minorias, mas
também contra os setores populares e progressistas. Forma-se um círculo vicioso,
prenúncio de uma ruína generalizada. A desordem gera medo. O medo reverte-se em
ódio. O ódio, em exceção. E essa, por sua vez, em caos. Essa foi a dinâmica do nazismo, que arruinou
a Europa. Algo similar está ocorrendo em nosso país (Eduardo Migowski);
- esta postura escora-se num
juízo moral superficial e quase sempre hipócrita, abstraindo do contexto
histórico. Não reconhece a complexidade dos processos sócio-políticos,
embaralha as circunstâncias objetivas com as responsabilidades subjetivas, e
com respeito a estas, não distingue as responsabilidades dos grupos dirigentes
daquelas que cabem a indivíduos singulares.
O que está em jogo?
O que está em jogo é a reflexão
e as consequentes ações sobre a necessidade premente da “reorganização mais
ampla do campo progressista” sobretudo em um contexto marcado pelo avanço das
forças de direita no país e no mundo.
Correlação das forças políticas
Dada a atual hegemonia dos setores liberal-conservadores e a
correspondente correlação de forças, os efeitos socialmente danosos incidem com
brutalidade inaudita sobre o conjunto das classes populares e a massa dos
trabalhadores. Esta correlação não está dada, fixa, mas se desenvolve e se
altera no processo de enfrentamento e das disputas
ESQUERDA
A. Organizações, polos, forças
políticas
B. A questão da unidade/fragmentação
das esquerdas
C. Sua relação e capacidade de
creditar-se e obter adesão de outros segmentos sócio-políticos
A.
Organizações, polos, forças
políticas
- três polos ou centros de gravitação
(forças políticas, que organizam um “campo” de disputas)
- inter-relação complexa das
diferentes esquerdas face às distintas esferas sociais.
- relações de complementariedade e
interdependência entre as três
Três grandes “correntes” (tipificadas e não
excludentes entre si)
1) uma esquerda institucional-parlamentar ou
“estadocêntrica”;(ref. Estado)
2) a esquerda dita tradicional-radical ou
“saudosa”; (ref. Capital)
3) a esquerda fragmentária ou dita
“pós-moderna” (ref. Cultura)
1) esquerda institucional-parlamentar ou “estadocêntrica
Corresponde ao
pragmatismo de esquerda clássico, que encontra centralmente no Estado a razão e
causa maior do poder.
- opção pelo
reformismo gradualista e a crença na capacidade de alcançar uma sociedade justa
e livre pela via incremental, sem rupturas;
- no aspecto
político essa forma de ver a mudança social acaba encontrando afinidade com o
institucionalismo utilitarista e a indefectível paixão pelo poder, produtos de
uma grave confusão entre mudança e manutenção da realidade;
- ao tentar civilizar o capital, acaba por ele
‘civilizada’.
Risco:
cooptação, busca do poder pelo poder
2) esquerda dita tradicional-radical ou “saudosa
- desconfia
da cooptação pelo Estado burguês, apostando suas fichas no socialismo e na
revolução;
- vinculada
discursivamente a um mundo pré-queda do Muro de Berlim, como numa grande elegia
dos “sobreviventes” da história, presa a questões de outro tempo;
Risco:
dogmatismo/sectarismo, elitismo político e nanismo, afastada de questões
que governam o senso-comum e a vida cotidiana das maiorias sociais
3. a esquerda fragmentária ou dita “pós-moderna
- orienta-se pelos
movimentos transitórios, na particularidade como elemento constitutivo, no relativismo,
contra a fixidez das estruturas;
- crítica ao
capitalismo, quando é o caso, dá precedência à dimensão ético-comportamental,
descurando de suas tensões sistêmico-estruturais; sobrevalorizando, dessa
forma, esferas micropolíticas de atuação em detrimento de sua contraparte
macrossocial;
- acaba jogando
água no moinho da fragmentação político-organizativa. Ao apostar as fichas na fluidez
das redes sem dar devida atenção aos seus constrangimentos e limites, termina
refém de conceitos de horizontalidade e autonomia não raro esvaziados de
conteúdo material
Risco: ação fragmentária, individualista e
performática
B.
A questão da unidade/fragmentação
das esquerdas
Ironia: a esquerda só está unida na
lamentação comum, constatando sua desunião.
O problema da fragmentação das
esquerdas só é um problema se vinculado a nossa incapacidade em acumular poder
social.
Colocar a situação é dizer que a
esquerda está dividida em partes que não se comunicam, e o problema seria,
portanto, pensar sua união, a combinação de seus pontos positivos, abdicando
dos aspectos negativos que impedem essa formação sinérgica
O caminho circular que vai de
um tipo ao outro de esquerda acabou por se tornar a via sacra de militantes frustrados e desiludidos com
seus próprios espaços de atuação política, sempre em busca de seu próprio (e,
por vezes, individual) paraíso organizativo.
Busca de convergência e unidade
Da esquerda de primeiro
tipo, buscaremos manter o necessário pragmatismo da ação: o
planejamento e a busca pela concretização de novas de propostas de governo,
permeada por valores radicalmente democráticos, e que falem diretamente para as
necessidades mais prementes e cotidianas das pessoas, no “agora”.
Da esquerda do segundo
tipo, nos caberá manter o vigor crítico, a tenacidade da
resistência abnegada, a radicalidade anti-sistêmica e a orientação para
projetos estratégicos que tenham como horizonte a superação do capitalismo.
Da esquerda do terceiro
tipo cumprirá reter, em tempos de crise civilizacional, o
compromisso com uma renovação ético-estética da política, a criatividade e
irreverência na produção de novos arranjos organizativos, o valor da
sustentabilidade, o respeito à diversidade e a desconfiança consequente da
razão.
Assim se buscaria superar uma
dinâmica em que as deficiências de cada corrente alimentam as certezas e
funcionamento das demais.
Reconhecer que há uma espécie de
trâmite organizacional entre partidos com potencial de disputa do Estado,
pequenas organizações radicais e movimentos sociais identitários.
C.
Sua relação e capacidade de
creditar-se e obter adesão de outros segmentos sócio-políticos
- processo de erosão mais
ampla de sua força e capacidade de adesão social; de sua possibilidade de
apresentar e construir algo passível de crédito por parte dos demais
integrantes da sociedade;
- na prática, em toda a sua
heterogeneidade, as esquerdas têm fracassado em sua disputa da sociedade;
- uma esquerda desorientada,
desconectada de si mesma e da sociedade, e portanto impotente e incapaz de
efetuar transformações estratégicas no mundo; estaríamos enfrentando “uma
espécie de travamento operacional, sem horizonte, e sem visão de futuro”;
- são necessárias alianças políticas inovadoras, novas formas de
participação popular autônoma, novos militantes e lideres com atuação
permanente nas ruas e bairros pobres das cidades e nos campos;
- para resgatar a democracia não lhe bastam
suas próprias forças, suas organizações e partidos, é necessária estabelecer
alianças, atraindo segmentos e forças do centro político, que em algum momento
se desprenderão do atual bloco de poder;
- A esquerda precisa não só se compor entre si,
enquanto partidos, organizações e movimentos, mas também construir caminhos,
meios e instrumentos para se inserir na base da sociedade, se aproximando das
camadas populares ainda não conscientes ou organizadas, conquistar sua
confiança, auxiliando-as na construção de sua identidade social, de sua
cidadania e protagonismo político.
Uma vez passada a ressaca antipetista dos
últimos anos, a
esquerda precisa reconquistar amplos setores populares e das classes médias que
foram iludidas pelo falso discurso do moralismo anti-corrupção. Com o passar do tempo deverão dar-se conta
de que foram massa de manobra de grupos poderosos e dominantes, e poderão, não
sem traumas e alguma resistência, abrir-se para rever entendimentos e posições
políticas.
Eleições 2018
-
cada vez mais ameaçadas
- eleições: nunca ficou tão explicito, como nos últimos anos, o domínio
do capital sobre a soberania popular. O dinheiro, o mercado, anulou, nas
democracias liberais, a principal força que controla ou modera a dinâmica
espoliativa do capitalismo, o sufrágio universal;
- reforma política: Congresso, de
costas para a sociedade, discute um pacote do que chama de “Reforma” Política. Nada, no que está em
debate, permitirá que a sociedade tenha algum controle sobre o que é decidido
em seu nome;
-emenda parlamentarista possível, ou
exclusão arbitrária do candidato favorito, Lula. Sua
condenação e a criminalização
de sua imagem se explica como ato político urgente diante da ameaça de sua
eleição em 2018;
- os golpistas não deram o golpe para
em seguida entregar o poder. O golpe não foi contra Dilma ou o PT; foi contra a
democracia e os direitos.
Horizontes/projetos em disputa
a.
das elites, da direita
-
dissociadas de um destino nacional soberano, sua concepção de república: a
taxa real de juro;
- as elites abdicaram das responsabilidades e
valores compartilhados que definem uma nação democrática e inclusiva;
- seu
projeto hoje tem um nome: políticas de austeridade, que é sinônimo de
acumulação rentista.
A austeridade não foi apenas o preço para salvar os
bancos, na crise de 2007/2008. É o preço que os bancos impuseram para que os
outros paguem. A austeridade compulsória é transferida aos assalariados.
b.
Dos setores populares/progressistas:
- tensão: somos pessoas
ordinárias (reprodução social sob o capitalismo, onde estamos inseridos)
querendo algo extraordinário (transformação social);
- o engajamento
com as organizações de esquerda exacerba a
tensão entre o mundo que nos determina e o mundo que queremos determinar;
. está na mão do “povão”, das
maiorias sociais como minorias políticas, o destino político do Brasil; de
sua passividade/impotência ou de sua
resistência/avanço nas lutas;
. há grande dificuldade em
caracterizar o “povão”: precariado, subproletariado, nova classe média, nova
classe trabalhadora, classes populares, enquanto nos debatemos em análises e
definições, a esfinge se move, age, muda o mundo a nossa volta, nos devora;
O povo para a elite é um detalhe. O povo é uma
ficção. O povo é um ente que assombrava nossa elite, mas que, agora, ela pode
descartar como sendo simples superstição (LF Miguel).
Está na hora de disputarmos as classes populares com uma outra ideologia,
com um novo discurso de valores e nova prática transformadora (militante, de
base, aberta para a organização e construção conjunta com esses setores em todo
o seu caldeirão de contradições).
- mudanças profundas que ocorreram na sociedade
brasileira ao longo das últimas décadas, que alteraram de forma estrutural o
tecido social do país: ocorrência de
uma “pluralização social e identitária” articulada à emergência de novas
juventudes, às mudanças na classe trabalhadora e na classe média, à conformação
de novas religiosidades e, sobretudo, à configuração de novas formas de organização e participação na
esfera pública das chamadas “minorias”.
Toda esta energia que se move “por baixo” na sociedade
brasileira ainda não teria encontrado escora e mediação no sistema político, e
a esquerda partidária particularmente, a despeito de alguns movimentos
importantes, não teria ainda logrado sucesso em dialogar com essa
heterogeneidade de movimentos, articulando suas demandas ao sistema político
mais amplo.
Pensar em um projeto estratégico de longo prazo, nessa
perspectiva, implica em um movimento mais imediato que se vincula à necessidade
de a esquerda sair do isolamento atual em que se encontra e dialogar com
setores dos quais se afastou no contexto da radicalização política pela qual o
país atravessou recentemente.
Resistência e luta
“Nossa maior derrota é a incapacidade de resistir” (L.F.
Miguel).
Tudo de que não precisamos é de resignação. A política
de resignação das classes populares consolida o golpe e a hegemonia neoliberal.
Podemos estar um tanto desalentados, mas não devemos
cair na paralisia ou no pessimismo; nem nos deixar atropelar pela impaciência
ou confundir pela exasperação.
Na luta que travamos
devemos estar motivados pela paixão, mas instruídos pela inteligência. Pois é
fácil pôr os pés pelas mãos, nos movendo ora pela paixão sem inteligência ora
apenas pela inteligência sem paixão.
A
realidade é que perdemos nossa bússola política, um horizonte político
emancipatório em torno do qual nos conectamos e disputamos a sociedade.
Não estamos num momento de acumulação de
forças, pelo contrário.
Precisamos nos dar conta das transformações da
sociedade capitalista, e a partir desta compreensão concebermos novas formas de
organização política, articulando-as com ações programática e pragmaticamente
consequentes, visando objetivos políticos estratégicos.
Convém entender
o processo histórico-político ocorrendo por movimentos ondulatórios, de ascensão
e descenso, correspondendo às expectativas de avanço ou proteção contra
políticas adversas.
É vital reconhecer que os ciclos históricos
têm um começo e tem um fim. Vivemos essa intersecção típica em que o novo ainda
não emergiu e o velho já não tem o que propor ao futuro. O golpe é a manifestação mórbida mais
explícita dessa encruzilhada. (S. Leblon).
As disputas interburguesas podem levar à desorganização
da coalizão golpista abrindo às esquerdas uma janela de oportunidade de
mobilização e projeção política. Para
aproveita-la, no entanto, é preciso ultrapassar muitos obstáculos.
Talvez
aqui devêssemos distinguir entre ações
orientadas pela radicalidade ou pela moderação política. Uma ou outra podem
incidir com eficácias variáveis em campos e momentos diversos das lutas e
confrontos. Os atores ou protagonistas dos conflitos podem ser radicais ou moderados quanto a retórica e discursos, quanto aos
meios, métodos e recursos de sua ação, e finalmente quanto aos objetivos que
perseguem. Saber mover-se utilizando estas diversas possibilidades pode
significar ganhos ou perdas, avanços ou recuos em suas posições.
Alguns propõem
saídas voluntaristas, de verbalização tão simples quanto falsa; outros,
aparentando prudência desmedida capitulam diante do que lhes surge como uma
inevitabilidade recessiva exigida pelos mercados.
É preciso pois grande empenho para retomar os
espaços de soberania e planejamento democrático, formulando um novo programa a
ser assumido por uma frente democrática e popular que se proponha a assumir a
frente da nação e o comando do seu desenvolvimento.
Isto
não será obra que se possa atribuir a uma liderança ou a um partido isolado. O
país requer a viabilização de “um novo braço coletivo capaz de sacudir o torpor
da esquerda, afrontar a soberba da direita, abrir espaço à organização popular
e assim preencher o vácuo de futuro e esperança no qual a elite pretende
asfixiar o destino de mais de 200 milhões de pessoas na oitava maior economia
do planeta.
A travessia requer a força e o consentimento
que só podem ser obtidos se a tendência à fragmentação for substituída pela
construção urgente de um amplo palanque presidencial progressista.
As forças progressistas precisam ir um pouco
além de si mesmas, rompendo com uma perspectiva sectária, abrindo diálogo com outros setores da
sociedade, em especial a classe média, que fez grande inflexão à direita.
É fundamental descobrir como dialogar com esses
setores, ganhar hegemonia sobre uma parte deles, neutralizar outra e reduzir a
influência de seus setores mais conservadores.
Buscar aliar-se em questões concretas, lutas pontuais
e urgências que incidam sobre as condições de vida e trabalho que impactam
negativamente amplos setores da sociedade.
Isto passa também pelo desafio de transformar
populações iludidas pelo mito de consumo em coletividades combativas, grandes
contingentes despolitizados em cidadãos ativos, conscientes de seus direitos e
de suas responsabilidades.
Aí inclui-se a necessidade de recuperar a dignidade da
política, confrontando a crítica corrente aos políticos, aos partidos e à
política como tal; ora acusa-se os partidos por irresponsabilidade, ora o
eleitorado por incompetência. Este discurso conservador, que induz à
indiferença e a apatia, apenas revela o descompromisso com a democracia, a
demonização do Estado, a anulação da soberania popular.
Relações
pessoais e conjuntura política
Vivemos um tempo critico de mudanças e também um tempo
cínico em que triunfam as astúcias de hegemonias anti-povo e contrafações da
pós-verdade.
Haja discernimento, serenidade e disposição para
vivê-los sem naufragarmos em suas vertiginosas correntes, ou em seus lagos
estagnados ou putrefatos.
Ambientes tão densos e atmosferas tão
carregadas, lançam desafios a nossa capacidade de transitarmos por eles sem
abdicar de valores civilizatórios, práticas democráticas e atitudes gentis,
orientados por ideologias não dogmáticas e por opções políticas não sectárias,
de tal sorte termos assegurada uma convivência que não negue a diversidade, a
disputa e o conflito, mas que garanta a integridade, o respeito, o
reconhecimento e a dignidade de todos.
Este é um tempo que nos testa; testa nossa capacidade
de entendermos o que está acontecendo, desafia a pertinência de nossas posições
e alinhamentos, nos interpela quanto à direção a seguir.
É um tempo em que as macro engrenagens da história
podem impor-se devastadoramente sobre as micro engrenagens dos indivíduos.
Conviria calibrar os termos das biografias e trajetórias pessoais com os que
são próprios dos processos sócio- históricos. Em termos práticos, como estamos
constatando, não é produtivo nem consequente transplantar o conflito político,
sem mediações, para o plano de nossas relações pessoais, especialmente quando
tentamos convencer alguém da justeza de nossas posições ou da validade de
nossos argumentos políticos. Entre os que apoiam o golpe e os que lhe resistem
há um fosso não apenas de posições
políticas, mas de concepções de sociedade e de visões da história.
Não há nenhuma possibilidade de conseguirmos que
alguém mude de opinião se à argumentos são contrapostos valores cristalizados,
preconceitos arraigados, disposições de espírito prenhes de ira e de ódio.
Não deveríamos aceitar provocações, nem entrar em
conversas sobre política nestes termos; seria nos rebaixar ao nível da
ignorância, do primarismo e da intolerância que vemos difundidos por amplos
contingentes sociais nesta conjuntura, dada a massiva, monopólica e pervasiva
presença de uma mídia hegemônica, conservadora, desonesta e manipuladora.
Hoje os afetos da vida privada estão sob os influxos
tormentosos da vida coletiva, as relações pessoais sob o signo da virulência
política.
Estamos mais uma vez convidados a dar um passo
adiante. Adiante de preconceitos enraizados, de entendimentos viesados, de
compreensões fragmentárias; distantes da intolerância, do fanatismo e de outras
tantas aberrações que nos impactam, degradando o presente e comprometendo o
futuro.
Estamos sendo puxados para fora de nosso comodismo,
de nossa apatia ou de nossa indiferença, vemos como somos afetados pela ação
dos outros (como sabemos “o inferno são os outros”), impactados pelas situações
de conflito político e ideológico e pela exacerbação do irracionalismo.
Uma disposição de luta política consequente poderia
ser assim resumida: Não aceitar nenhum combate que possamos evitar, nem
evitar nenhuma luta que precisamos travar.
As derrotas e fracassos nunca são totais e absolutos. Podem ser um
inevitável ou necessário estágio no inferno, quem sabe para, com seu fogo,
aquecer e moldar os instrumentos de luta.
Como observou Marx: “É o
lado mau que produz o movimento que faz a história”.
Parafraseando Tácito, um alerta final:
“Enquanto lutamos separados, somos vencidos juntos”.
Citações/referências
-
Wanderley
Guilherme dos Santos, A democracia impedida. O Brasil no século
XXI, FGV, 2017
- Peter Sloterdijk, Ira e tempo. Ensaio político-psicológico. S.Paulo, Ed. Estação
Liberdade, 2012
-
EduardoMigowski, Como Foucault e Agamben explicam
Bolsonaro. 29/06/2017, Outras
Palavras
-
Bernardo
Carvalho, “Moro dispensa o teatro da razão, em nome da verdade da imagem” FSP, 14/05/2017
- V. Safatle,
FSP, 30/06/17
- Saul
Leblon. “
Bye, bye, Brasil”. Carta Maior, 27/06/2017
- Edemilson Parana, Três
dimensões da tragédia da esquerda no início do século XXI, 29/06/2017, Blog Boitempo
- Gabriel
Tupinambá, Da
tragédia à comédia, Um comentário sobre "Três
dimensões da tragédia da esquerda no início do século XXI", de Edemilson
Parana, 04/07/2017 ,
Blog Boitempo
- “A
esquerda diante do poder: do trágico ao cômico para o tragicômico.” Tréplica
de Edemilson Paraná ao comentário de Gabriel Tupinambá a seu artigo sobre
"Três dimensões da tragédia da esquerda no início do século
XXI".14/07/2017, Blog Boitempo
- “A força social da graça,
ou: como se avalia o poder popular? ” 26/07/2017, Gabriel
Tupinambá, quadrúplica a Edemilson Paraná no Blog da Boitempo
-
Carlos
Eduardo Martins, Nove teses sobre a crise
política brasileira. Blog
Boitempo, 29/05/2017
- Bruno P. W.
Reis, A Lava-Jato é o Plano Cruzado do combate à
corrupção. Novos
Estudos CEBRAP.
- Fernando
Perlatto. “ As esquerdas
e a conjuntura do tempo presente”, Resenha
de Domingues, José Maurício. Esquerda: Crise e futuro (Ed.
Mauad X, 2017).
Jessé de Souza e a esquerda sem ideias próprias.
Outras Palavras, 10/08/2017
Eleutério f. s. Prado. Subiu no poleiro, voou mais alto
e despencou, Outras Palavras, 09/08/2017
2 comentários:
Carmen, grato pela divulgação de minha intervenção no seminário do NESSOP-UFSC. Tua "edição" da postagem ficou bem bacana. Gostaria de esclarecer que o texto não é propriamente uma elaboração acadêmica e nem se destinava à publicação, mas ser apenas um roteiro/esquema para minha exposição. Daí decorre ser quase uma colagem de várias contribuições, embora obviamente com alguma elaboração própria. Meu trabalho foi mais de sistematizar as questões, organizar argumentos, numa tentativa de síntese da pletora de dados, informações e análises correntes sobre a atual conjuntura.
Abraços, Remy JF
Remy Fontana uma oprtunidade rara termos desde teus escritos este. " mapeamento" do momento que vivemos ,agradecemos tua generosidade de permitir que fosse publicado!!
Abraço
Carmen F.ossari
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