quinta-feira, setembro 09, 2010

Outra Personagem

Outra Personagem...

















Minha intenção em ter publicado o questionário de Antonieta respondido, foi de homenagear duas atrizes escritoras que estão na peça ERA UMA VEZ NO PÂNTANO DOS GATOS
de Marina Carr, tradução de Alinne Fernandez com alunos da Oficina Permanente de Teatro e Atores e Atrizes do Pesquisa Teatro Novo , sob minha direção que estréia dia 23 de Setembro no Teatrinho da UFSC.
Hoje recebi o questionário de Marcia Cattoi, e ao esmero da preparação de sua personagem, vou publicar, lembrando que Márcia além de aluna da OPT, é ARTISTA PLÁSTICA, criou o cartaz da Leitura Dramática Encenada deste mesmo texto, é também poetisa, tem um BLOG:http://marciacattoi.blogspot.com/.
Os Blogs, são excelente instrumento para revelarmos processos de criação, neste caso, um pouco dos processos de criação de PERSONAGEM, cujo questionário é um dos instrumentos, que depois vou orientando e esmiuçando cenas, verbos de ação e todo maravilhoso universo de criação de um espetáculo, na relação das PersonAgens e simultanea criação das cenas.


Era uma vez no pântano dos gatos... – Caroline Cassidy
Por Márcia Cattoi

OPT – Carmen Fossari, Montagem 2010-08-26
Questionário personagem:
1- Nome: Caroline Cassidy
2- Idade: 20 anos
3- Sexo: feminino
4- Nascimento: 10/07/1990
5- Onde habita, com quem convive: Uma casa muito grande no alto de uma colina, tradicional sede de um latifúndio próximo à cidade e ao Pântano dos Gatos. Região de Midland no centro da República da Irlanda, convive com o pai e empregados da casa.
6- Signo: câncer
7- Parentesco: pai- Xavier Cassidy; mãe- Grace Cassidy (morta); irmão- Tiago Cassidy (morto).
8- Trabalho: não
9- Corpo da personagem (lembrando o “Gestus Social”, que Brecht enuncia e ampliando o sentido, a história étnica da personagem ou a profissão, ou a idade ou o temperamento e/ou todos estes elementos como diferenciam o corpo da personagem):
A- Postura corporal- esguia, juvenil, ereta, decidida;
B- Respiração: normal;
C- Expressões do corpo e faciais- timidez, ansiedade, braços cruzados quando acuada, demonstra fragilidade o que atrai a atitude paternalista/protetora nos homens, especialmente mais velhos. Não se impõe e quando o faz, recua imediatamente. Expressa na face o que não consegue dizer especialmente em casos mais extremos, pois é jovem. Com a experiência provavelmente dominará sua expressão. É de família tradicional e abastada do local, mimada pelo pai. Criada para o casamento pela mãe, é de gestos delicados e contidos para este papel. Diante do inesperado torna-se inerte e no máximo pede ajuda ao pai diante de um problema maior.
D- Como caminha: graciosamente como foi ensinada pela mãe;
E- Voz: (timbre, ritmos, possibilidades) juvenil, tímida, mas contendo um pouco os arroubos. Chora e ri sem fazer som. Sotaque interiorano.
10- Como se veste (segundo sua posição financeira e/ou emocional):
Clássica, ricamente e levemente romântica. Usa comprimentos e decotes em roupas de pessoa de mais idade que a dela. Jóias de família discretas e tradicionais, como pérolas, flores de tecido e bolsas pequenas, imita a mãe por assumir o lugar dela no esquema familiar. Pouca maquiagem.
A- Cores: Usa cores com gosto tradicional, as claras: nude, branco, rosa, azul claro com: marrom e marinho sem estampas, no máximo um petit pois.
B- Formalidades ou hábitos: Etiqueta na mesa, obediente na cama, solícita no grupo.
C- Despojamentos e/ou traços étnicos: européia, de região fria e nórdica. Secretamente descrente. Não explora a criatividade e seu foco na vida é formar uma família, estar plenamente encaixada no seio familiar já que no íntimo não se sente nunca assim. Quer ser feliz. A família e a casa são tudo pra ela. Nunca viajou, viveu numa redoma de vidro. Simplesmente não compreende o despojamento dos ciganos.
D- Traços não realistas: Vive num conto de fadas e bruxas e espera um dia, depois de casar com o seu príncipe encantado, ser feliz pra sempre.
11- No momento da peça, sua personagem vem de onde e pretende ir ou fazer o que (ação anterior – Stanislavsky) – Para esta personagem a ação ocorre mais no seu interior que externamente, pois praticamente assiste a tudo sem poder fazer nada. Vem de uma relação profunda mas incestuosa com o pai, seu único parente (misto de atração sexual, amor, medo, dependência, conforto, cumplicidade), tem sentimentos obviamente contraditórios de idolatria e ódio pela mãe já morta. Preparada desde a infância para o casamento pela mãe que na verdade a odiava e a desejava longe dos olhos do marido Xavier o quanto antes fosse possível, a peça retrata o momento mais importante da sua vida, o dia do casamento. Mostra o desmoronamento do que planejara que seria o dia mais feliz da sua vida. Durante aqueles momentos vê-se totalmente impotente diante de acontecimentos alheios a sua vontade e capacidade de interferência. Vem à tona um mundo sórdido, mas verdadeiro, e não uma ilusão criada pela sociedade falsa e interiorana em que toda imoralidade se esconde por baixo dos panos. Tal o impacto dos fatos que vão se sucedendo, que ela até consegue expressar sem filtros um pouco de sua indignação, mas engole tudo de novo e mantém-se no papel de noiva até o fim. No futuro, viverá uma farsa e eternamente estará tentando se encaixar na família, como a rainha do lar, esposa perfeita num lar perfeito. O pai provavelmente achará uma substituta mais nova que a fará sentir-se muito mal, cheia de ciúme e ódio, continuando o jogo doentio. Acredito que somente após a morte do pai e o abandono do marido, a personagem consiga sair do pântano e tratar-se psicologicamente por longo tempo. Com muito dinheiro e bem longe daquele lugar, talvez possa ter uma vida mais independente dos outros e um pouco mais centrada por alguns anos. Depois, é provável que encontre outro marido bem mais velho e se case novamente.
11- Qual a maior alegria da personagem? A maior alegria dela é pensar que pode ter um lar, um lugar no mundo cheio de amor, alegria, inocência, controle e felicidade. O casamento é o passe para realizar isto.
12- Qual a maior tristeza e/ou frustração da personagem? A maior tristeza é justamente dar-se conta que não existe tal lugar.
13- Sua personagem é simples ou complexa (quando inicia de uma maneira e termina a peça de outra, ou seja, sua ação muda o destino das personagens, neste caso teremos protagônicos) – Apesar de complexa emocionalmente, esta personagem não determina o destino da história por não conseguir impor totalmente sua vontade aos demais. Ela é a razão desta história: a noiva intrusa, a filha que sai de casa, a nora que atrapalha.
14- Liste por cena as emoções de sua personagem: Primeiro Ato, Cena5: Mais nervosa, contrariada porém decidida. Cena6: Menos nervosa, mais protegida. Segundo Ato: Surpresa, impotente, indecisa. Terceiro Ato: Desiludida, impotente, entregue aos acontecimentos que se desenrolam.
15- Com quem sua personagem mais contracena: Ester, Cartageno e Xavier.
16- Com quem sua personagem menos contracena: Mônica, Aquele que Espreita Almas, o Fantasma de José Cisnéia e o Jovem Silva.
17- O que vc acha que Marina Carr quis dizer através de sua personagem, considerando o todo da peça?
Acho que quis mostrar na personagem, a própria dualidade humana, os sentimentos contraditórios que nos movem e que se enfrentam continuamente em nosso interior. A figura da noiva é frágil e jovem, mas já torturada pela história de vida e totalmente manipulada neste jogo de poder onde ninguém vence. Toda a esperança e toda a decepção afloram no dia do seu casamento. O Rito de passagem como farsa. O resultado disto tanto pode ser o amadurecimento como a loucura.
O pântano é a nossa vida e a nossa morte. Não há tempo, não há bem nem mal, somente a massa disforme movendo-se. Vivemos através dela e nela morremos, somos esta massa. A favor ou contra a nossa vontade. Mostra o quanto nos debatemos para nos mantermos lúcidos ou obtermos um pouco de prazer, um pouco de controle sobre a própria vida (e a dos outros se possível). Ao final, há que se olhar no espelho e em cada personagem, no lugar das imagens refletidas, há um pântano uníssono.
É um texto um tanto pessimista sobre a realidade humana. Seus conflitos emocionais extremos estão expostos e a autora parece indicar a morte como solução única para o fim do sofrimento. A tragédia grega emerge, faz com que os espectadores sintam-se enfim conformados com a existência menos problemática. Catarse pura.
18- Crie uma pequena história de sua personagem “Gênese” com relação à idéia principal do texto que será discutido em grupo.
Caroline Cassidy nasceu em uma fazenda, de família rica e tradicional. Desde cedo se manifesta a relação incestuosa com o pai. Este psicopata*, não querendo interferências do que deve ou não fazer, facilita a morte da esposa e do outro filho.
*Obs: Psicopatas = Pessoas aparentemente normais, mas que costumam ser egocêntricas, desonestas e indignas de confiança. Com freqüência adotam comportamentos irresponsáveis sem razão aparente, exceto pelo fato de se divertirem com o sofrimento alheio. Os psicopatas não sentem culpa. Nos relacionamentos amorosos são insensíveis e detestam compromisso. Sempre têm desculpas para seus descuidos, em geral culpando outras pessoas. Raramente aprendem com seus erros ou conseguemfrear impulsos. http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/o_que_e_um_psicopata_.html
Desta forma fortalecem os laços dos dois, embora Caroline veja no seu casamento, aos 20, anos uma maneira de acabar com isto, pois no íntimo não se sente confortável e feliz com a situação. Escolhe um parceiro problemático que já teve um relacionamento anterior por 14 anos com uma cigana, e já tem uma filha. Ele tem dez anos mais do que ela. O momento do casamento é o clímax de sua vida, onde “todas as cartas estão na mesa”. É o possível desfecho da relação com o pai, o começo de uma vida com outro homem, uma nova família, uma oportunidade de mudanças e realizações. Sentimentos contraditórios entretanto, ações alheias a sua vontade, confrontamentos com a sogra, o marido, a enteada, a sociedade e principalmente a cigana, fazem deste dia um pesadelo.

19- Qual o prazer e a dificuldade que vc tem para interpretar sua personagem, vc acha que pode aprofundar sua interpretação? Como?
Toda interpretação é um prazer, já que nos possibilita experimentar o que não somos. Explorar nosso corpo e voz, o domínio do espaço, luz, figurino, a idade como vivência acumulada, a reação do público...
Nesta personagem em particular o prazer é de desafiar a moral, explorar a sensação do proibido, as convenções sociais que definem o que é certo e errado, neste caso o incesto. Passar por cima disto é desmanchar o medo, o pudor e as regras, o que é muito bom como experiência de palco.

As dificuldades são: ver a impotência da personagem, a falta de atitude e o pior: seu “depósito” da própria felicidade na pessoa do outro. É mortal, decepção na certa, mais cedo ou mais tarde.
Como atriz principiante, a não-ação não é ficar-se estática e manter um distanciamento da personagem, sem incorporá-la realmente... Devo buscar o equilíbrio de senti-la e dominá-la internamente, para que seja coerente e totalmente real ao público. Entender sua idade, suas razões, expectativas e experiências passadas para passar a idéia mesmo sem agir ou falar e dar força quando se exprime.

Um comentário:

Antonieta Mercês disse...

Carmem, você concorda que após o levantamento do perfil da personagem, tão bem produzido pela Márcia, dá para entendermos as razões da insegurança de Caroline no dia de seu casamento.
E,com isso, eu quero dizer que 'a Caroline é bem vinda à casa dos Mattanora!'